domingo, 7 de maio de 2017

Relato: Audax BRM 200

Minha participação no Brevet Randonneur Mondiaux de 200 km em Itupeva/SP
Como vocês dever ter lido na postagem anterior, fiz um preparativo minucioso para a prova organizada pelo pessoal do Randonneurs Litoral. A bicicleta com os seus acessórios estavam prontos e a estratégia traçada, só faltava mesmo era cuidar do corpo. Seguindo dicas de amigos e de relatos de outros randonneurs que encontrei pela internet, nos 3 dias antes da prova eu aumentei a ingestão de carboidratos para poder ter bastante energia acumulada (como seu eu já não tivesse um estoque bem grande na região abdominal, mas sei lá ehehehehe...) e tentei adaptar o meu corpo para dormir mais cedo, porém com a rotina daqui de casa ficou difícil de modo que apenas na quinta-feira eu consegui pegar no sono às 22:30, tendo acordado às 08:00 no dia seguinte. Esse acho que foi um erro porque estava com o corpo tão descansado que não preguei o olho na noite seguinte, que era a mais importante. Fiquei rolando de um lado para outro da cama até dar a 03:00 e ter que levantar para seguir para Itupeva.

Minhas coisas estava já todas prontas e embarcadas no carro. Fiz um prato de banana com granola e iogurte de café da manhã café da madrugada e preparei dois lanches com lombo e queijo minas, um para comer antes de largar e outro depois que chegasse, mais 500 ml de suco de caju. Peguei o carro e uma hora depois, às 04:40, chegava ao Hotel Buriti Itupeva. Tratei logo de colocar as rodas na bicicleta e encher as caramalholas (uma com água e outra com isotônico). Como a vistoria se iniciaria somente às 05:50, fiquei o restante do tempo relaxando dentro do carro ouvindo música e mentalizando a prova. Às 05:30 eu coloquei toda a indumentária, tendo decidido não colocar a blusa corta-vento porque não chovia desde o início da noite e também apesar de estar fazendo 13ºC eu estava confortável com a blusa dry de manga comprida que coloquei por debaixo da jersey de ciclismo. Foi uma decisão acertada e que funcionou bem ao longo da prova. Tudo pronto, fiz minha oração pedindo proteção e ajuda para vencer as dificuldades que certamente viriam.

Chegada a hora marcada, me apresentei e fui o primeiro a passar pela vistoria. Os organizadores conferiram meus equipamentos e recebi o passaporte. Junto dele me deram um saquinho zip e uma cópia do roteiro do percurso. Às 06:00 em ponto larguei junto de outros 3 ciclistas. Os organizadores, de forma inteligente, definiram fazer o início em ondas, soltando os competidores em blocos com diferença de alguns poucos minutos entre eles.
Após a vistoria e pronto para a largada

Antes de sair eu liguei o Runkeeper no celular para monitorar o pedal, mas esqueci de zerar o ciclocomputador e o GPS, o que fui fazer apenas 4 km à frente, mas isso não me atrapalhou. Logo no início eu saí pedalando lado a lado do Márcio, de São Bernardo do Campo, um camarada que conheci por ali mesmo e que acabei cruzando com ele em alguns momentos pelo brevet. Os nossos aparelhos de navegação indicavam uma rota saindo do hotel mas os outros dois que saíram um pouco na nossa frente estavam indo por outro caminho. Gritamos para avisar mas eles não ouviram. Enfim, seguimos o GPS e logo estávamos na avenida principal da cidade, rumo à Rodovia Vice Prefeito Hermenegildo Tonoli.

Ficamos pedalando mais algum tempo na parceria até que veio a primeira grande subida. Como eu não queria forçar, deixei o Márcio seguir em frente e fui tocando de leve. Entramos na SP-300 Rodovia Marechal Rondon e veio o raiar do sol maravilhoso (minha 3ª vez montado na bike!). Pedalava tranquilo quando um japonês, que era um daqueles perdidos da largada, me passou como um raio em uma das subidas. Só deu tempo de ouvir dele: "Começaram as escaladas!". Durante uns 5 km eu consegui manter ele e o Márcio no visual, depois desapareceram. Porém, de repente vejo um ciclista parado com a bicicleta virada para cima no acostamento. Era o Márcio com o pneu furado. Parei e perguntei se precisava de ajuda, mas ele disse que estava tranquilo, já desmontando o pneu com as espátulas. Segui em frente e mais ou menos na marca dos 20 km o 2º perdido me passou também, mas esse ficou bem perto até o acesso da SPA-85 Rodovia Dom Gabriel Paulino Bueno Couto, uma estrada de pista simples e sem acostamento que a organização já tinha nos alertado para tomarmos cuidado. O asfalto estava muito molhado devido à chuva da noite anterior e fui devagar, sempre acionando os freios. Foram 6 km praticamente sem pedalar e morro abaixo, mas pensando na volta já imaginava o quanto seria difícil aquele trecho, o pior de todos os paredões em altimetria segundo a planilha de rota. Mas isso será tema tratado alguns parágrafos mais à frente.

Continuando, lá pelo km 30 entramos na maravilhosa SP-312 Estrada Vereador José de Marais, que leva à pacata cidadezinha de Pirapora do Bom Jesus. Me chamou a atenção a imensa quantidade de ciclistas naquela pista! Eram atletas e entusiastas dos mais variados tipos, sozinhos, em grupos ou em pelotões de até 50 indivíduos, em geral pedalando absurdamente forte. Vários triatletas com suas bikes de contra-relógio, inclusive muitas mulheres. Ali eu constatei o quanto o esporte está crescendo no Brasil. O primeiro Posto de Controle (PC1) ficava na Igreja Matriz da cidade, no km 57, mas bem antes disso eu passei por vários inscritos do BRM 600 que vinham no sentido oposto, uma vez que a largada deles tinha sido 1 hora e meia antes da minha saída de Itupeva. Neste trecho passei pelo primeiro dos três grandes morros que enfrentaria, numa sequencia de curvas bem "divertidas". Digo divertidas porque cada vez que eu pensava que a ladeira tinha acabado, vinha outra, e depois outra, e depois outra. Era a rodovia me pregando peças e rindo do meu sofrimento, só pode! A minha média horária até então estava em 24 km/h e depois da pirambeira caiu para 22 km/h.

Enfim, cheguei ao PC1, que nada mais era do que uma mesa com o voluntário da organização. Ele me pediu o passaporte, que foi devidamente carimbado e anotado o horário. Aproveitei e fui ao banheiro num boteco ao lado, comi um pão de queijo de ontem requentado no microondas, junto de uma coca-cola deliciosamente gelada. Voltei ao PC, onde tinham disponíveis mariola (aquelas bananinhas com açúcar), paçoquinha, isotônico e água, tudo à vontade mas fiquei apenas com os líquidos. Lá eu também encontrei os dois ciclistas que tinham se perdido na largada. Descobri que um deles estava fazendo o Desafio de 110 km e o outro, o japonês escalador, estava no BRM 200 comigo e acabou saindo uns 2 min antes de mim daquele PC. Fiquei ao todo uns 15 min parado e retomei, não sem antes enviar uma mensagem de whatsapp para a família reportando onde eu estava e que ia tudo bem. Nesse momento da saída do PC1 a minha média estava em 21,2 km/h, ou seja, com uma certa folga em relação ao que eu havia planejado que seria os 19 km/h. Contudo como eu ainda estava só com 25% completados era bom ter uma gordura, além do que eu estava me sentindo muito bem. Ficava fácil eu monitorar esses dados porque deixei o Runkeeper no celular configurado para me informar pelo auto-faltante as informações de tempo, distância acumulada e velocidade média geral, tudo a cada quilômetro.
Igreja Matriz em Pirapora do Bom Jesus

Saindo então de Pirapora, lá vinha a serrinha engraçada novamente, só que ao contrário. Segui em ritmo relaxado e leve, alternando pedalada sentado com pedalada em pé, mudando as pegadas no guidão e às vezes fazendo mais força na puxada dos pés para cima do que empurrando para baixo, sempre visando a alternância dos grupos musculares para não fadigar precocemente. Com a segunda pirambeira forte da prova vencida, era hora de curtir a descida! Também aprendi que precisamos melhorar a eficiência do pedal nesse momento, então tratei de segurar no drop para reduzir a área de atrito com o vento e pedalar sempre que fosse seguro e possível. Com essa fórmula foi comum eu atingir rapidamente os 55 ou 60 km/h nas descidas aos longo do brevet. Aliás, defini este último valor como o limite da minha velocidade, afinal, conforme meu sábio amigo Corralo diz, "sou arrimo de família". A segurança sempre em primeiro lugar!

Continuando, entrei na Estrada dos Romeiros, me misturando com os inúmeros pelotões e grupos menores de ciclistas, agora  majoritariamente no mesmo sentido do que eu. Como eu estava numa prova e com propósitos bem diferentes, em momento algum me aventurei a entrar em qualquer roda para aproveitar o vácuo. Alguns até ofereciam, mas eu agradecia e ficava no meu ritmo, mesmo porque isso seria contra as regras do Audax, que prega a total independência, sendo possível apoio apenas de outros participantes do brevet. Pedalar ali foi um prazer enorme. A estrada é muito bonita, totalmente cercada por árvores e o pavimento parecia um tapete. O pedal rendeu demais e facilmente eu conseguia manter de 32 a 35 km/h nos planos, às vezes até mais. A densa vegetação beirando o rio Tietê de um lado e a parede de rocha do outro tirava qualquer possibilidade de vento, além disso os poucos motoristas já estavam muito acostumados aos ciclistas e tinham conduta exemplar, passando pela gente a bem mais do que os 1,5 m exigidos pelo CTB, mesmo quando havia acostamento.

Terminada a etapa da linda Estrada Parque de Cabreúva, eu estava com 100 km acumulados e comemorei - "já estou na metade!". Entrei na Rodovia Engenheiro Herculano Godoy Passos, num pequeno trecho de 7 km de ligação até a Rodovia do Açúcar (SP-075), pista que eu deveria seguir para passar por Itu, Salto e chegar a Indaiatuba, onde estaria o PC2. Porém, antes desse Posto de Controle eu tinha preparado uma parada num posto de combustíveis próximo ao km 110. Como planejado, fiz a minha pausa para descansar e me alimentar. Comprei a um hambúrguer assado, duas bananas e um Gatorade de uva. Também comprei um par de pilhas AA pois já tinha substituído as do GPS em Pirapora que tinham estranhamente sido consumidas precocemente. Pelo manual do aparelho, pilhas alcalinas deveriam durar 15 horas, em média e eu estava sossegado levando um par a mais e que provavelmente nem iria precisar. Só que não! Ali na parada vi que o GPS com as pilhas reservas estava mais uma vez dando informação de bateria fraca. O problema é que na lanchonete do posto não vendiam pilhas alcalinas e as comuns que comprei sequer ligavam o aparelho. "Ainda bem que eu tinha o mapa impresso", pensei. Praticamente desconsiderei a navegação pelo GPS a partir dali e deixei ele hibernando na esperança de haver energia em casos que o mapa não resolvesse.
Pausa para reabastecimento e comemoração após 100 km vencidos

Vida que segue. Antes de sair tirei fotos e mandei para a família, junto da minha posição geográfica para eles acompanharem. Peguei novamente a SP-075 onde o ritmo já havia diminuído por conta da sujeira e da rugosidade do asfalto do acostamento, e do tobogã característico do relevo paulista com suas intermináveis subidas e descidas longas. Assim, passados 122 km eu chegava ao PC2, numa tenda armada no estacionamento de um posto em frente da fábrica da Toyota. Mais uma vez, isotônico e água à vontade, além de bananas as quais não dispensei. Estavam lá dois voluntários para fazerem os registros nos passaportes e ajudarem os participantes no que precisasse, pessoal muito simpático por sinal. Encontrei também dois participantes do BRM 600, com os quais troquei rápidas palavras e desejei sucesso. Um deles terminou seu alongamento e saiu; o outro, um senhor de pelo menos 60 anos partiu um pouco depois de mim. Logo ele me alcançou pois eu tinha pegado a pista principal para fazer o retorno, enquanto que o correto era ter ido pela marginal, então precisei descer da bike e atravancar pelo gramado até chegar na pista correta. Acompanhei aquele senhor por mais alguns quilômetros conversando bem pouco. Acho que ele estava um pouco aborrecido... Lá no PC havia contado que tinha se perdido e rodado um monte de quilômetros desnecessariamente. De toda forma fiquei admirado com ele por estar enfrentando os 600 km, sobretudo pela confiança, preparo físico e disposição que demonstrava. Seguramente deveria ter vários brevets nas costas e quem sabe eu estava até diante de um famoso Super Randonneur e não sabia. Me separei dele quando tomei de volta o caminho para Itu enquanto que o percurso para quem fazia o BRM 600 continuava pela SP-075.

Entrei então na "cidade das coisas grandes" e fiz mais uma pausa estratégica programada. O local escolhido desde a fase de planejamento era um Posto Ipiranga perto da rotatória de um shopping, quando eu deveria estar já com 153 km acumulados, aproximadamente 75% do percurso total. Ali eu comprei uma água de 1,5 L e um Gatorade. De novo, não tinham pilhas alcalinas para o meu GPS. Sentei na mesinha da conveniência enquanto enchia as garrafinhas com água e matava o isotônico. Também mandei a tradicional mensagem de whatsapp para a família, com foto e relatório sucinto. O dono do local se aproximou curioso e começamos a conversar sobre o Audax. Contei alguns detalhes e ele ficou admirado (tanto quanto assustado) devido às distâncias - reação comum à maioria das pessoas quando eu comento sobre os BRMs e suas distâncias. Ele fez questão de tirar uma foto minha para postar na página do Facebook da lojinha:
Parada estratégica na loja de conveniência de um Posto Ipiranga em Itú com 153 km

Passados os 15 minutos de descanso, hora de continuar. Nesse momento a minha média horária geral estava em 20,8 km/h, totalmente dentro do previsto. Segundo a planilha do PC2 eu era o 3º dos 17 que largaram para o BRM 200, mas isso não era importante para mim, já que eu estava ali para chegar e não para competir. Queria mesmo era cumprir o planejado e terminar a prova dentro do tempo máximo, preferencialmente sem cãibras ou dores. Fui então rodando naquele ritmo de sempre até chegar novamente à bela Estrada dos Romeiros, desta vez no sentido para Cabreúva. Na entrada eu passei pelo Márcio, que estava ao lado da bicicleta mexendo no celular. Dei um alô para ver se estava tudo bem e segui quando ele me respondeu com um joinha. Mais uma vez eu estava naquele maravilhoso tapete de asfalto lisinho e rodando fácil. Só que desde a primeira vez que passei por ali, vi que num determinado ponto o rio Tietê tem umas corredeiras e a poluição das águas forma muita espuma. Resolvi parar para tirar uma foto para mostrar para a minha filha que estava estudando justamente isso em geografia na escola. Retomei ao pedal e fui ultrapassado de novo pelo Márcio, que seguiu sempre em frente mas nunca longe da minha visada.
Poluição do rio Tietê

A essa altura do brevet eu acumulava 160 km percorridos e estava muito feliz porque tudo ia conforme previsto, na verdade até um pouco melhor. Eu me sentia bem, apenas com uma leve fadiga nos músculos anteriores da coxa, algo perfeitamente administrável. Eu já tinha percorrido pouco mais de 3/4 da prova e estava numa média horária ligeiramente mais rápida, havendo apenas uma última dificuldade significativa que seria uma pirambeira para ser escalada no retorno para a Marechal Rondon, que eram aqueles 6 km de serra com inclinação de até 10%. Foi então que levei um susto e tomei uma queda besta! Eu estava numa subidinha leve, aproximadamente a 15 km/h quando me apareceu um desnível na pista que não vi a tempo. Livrei a roda da frente mas a traseira pegou de lado no degrau do asfalto molhado, escorregou e me levou ao chão num tombo ridículo. Aquela mesma rodovia que antes brincava comigo agora estava querendo lutar judô! Se comparado à competição olímpica era como se eu tivesse levado um ashi-barai, golpe aplicado quase sempre sem muitas pretensões e para pegar o oponente que está distraído. Foi exatamente isso que aconteceu comigo. Mas se fosse pontuar seria no máximo um Yuko porque caí de lado, quase que de frente. Ralei um pouco o joelho e só. Peguei as garrafinhas que saíram rolando para o meio da pista, ajeitei as luzinhas traseiras, sacudi a poeira e segui em frente. 

Mais alguns quilômetros e eu sabia que estava chegando o PC3, que era virtual. Isso significa que não haveria ninguém da organização por ali, mas precisaríamos comprar algo e apresentar a notinha como prova que passamos pelo ponto, ou então tirar uma fotografia com o celular. E assim, num posto de gasolina ASTER na esquina da SP-270 com o acesso para a serra da rodovia Dom Gabriel Paulinho Bueno Couto estava o Márcio parado tomando uma coca-cola. Parei e perguntei se era ali mesmo o PC3. Ele respondeu que não pois na planilha constava que o posto de combustível era da bandeira BR. Realmente eu me lembrava de ter lido na planilha da rota publicada no site do Randonneurs Litoral que o posto seria um BR. Consultamos o odômetro e a quilometragem não batia com o local onde estávamos, devendo ser cerca de 4 quilômetros mais à frente. O Márcio disse que ainda iria comprar uma água para completar a caramanhola e perguntou se eu queria que ele comprasse um refrigerante para mim. Respondi que não e que iria me adiantar em direção ao PC3 onde lá sim eu queria parar para reabastecer. E fui... Só que o bendito posto não chegava nunca. Comecei a subir várias e várias ladeiras e nada. Percebi então que eu já estava naquela dita serra que terminaria na Mal. Rondon. Pensei: "Bem, o posto deve ser no final dessa serra". Depois de muito sofrimento, cheguei à SP-300 e nada de posto BR. Andei por mais uns 2 quilômetros até uma base da concessionária da rodovia onde decidi parar e me informar melhor. Os funcionários, muito atenciosos, tentaram me orientar mas ninguém conhecia o tal posto. Peguei novamente a planilha da rota que realmente citava o posto BR. Foi então que decidi ligar para os organizadores para tentar uma informação mais precisa com eles, afinal aparentemente eu estava perdido. Peguei o passaporte onde estavam os números de celular mas nenhum deles atendia. Eis que na indicação do local do carimbo do passaporte estava escrito: "PC3 - POSTO ASTER - CABREÚVA". Sim, era aquele mesmo posto lá embaixo da serra, onde encontrei o Márcio tomando coca-cola!

Esse foi o momento mais marcante para mim no brevet. Eu tinha duas opções: 1) continuar dali mesmo na esperança que uma fotografia na base da concessionária ou que o testemunho do Márcio fossem suficientes para comprovar a minha passagem pelo PC3; ou 2) voltar ladeira abaixo para fazer o que estava previsto pelo regulamento. Que dúvida cruel! Tinha sido um sofrimento e tanto subir aquela pirambeira da Rodovia Dom Gabriel Paulinho Bueno Couto, a ponto de eu precisar descer e empurrar a bicicleta a pé por uns 200 m para aliviar as pernas. A decisão veio quando eu perguntei para mim mesmo o que eu faria se eu fosse organizador da prova. Eu aceitaria um participante que chegasse sem o comprovante ou sem a foto do local determinado? Resposta da minha consciência: não. Seria cômodo eu continuar dali mesmo, pois até a chegada restavam pouco mais de 20 km mas se as minhas alegações não dessem certo eu estaria enterrando os planos de Super Randonneur em 2017. Decisão tomada, montei na Scott e voltei.

No caminho aquela situação ficou martelando o meu pensamento mas aprendi com a vida que para superar uma adversidade é preciso resiliência. Se você não conhece essa palavra, talvez a frase que melhor traduz o seu significado é aquela que Rocky Balboa disse em um dos filmes da série: 


"Ninguém te baterá tão forte quanto a vida. Porém, não se trata de quão forte pode bater, se trata de quão forte pode ser atingido e continuar seguindo em frente. É assim que a vitória é conquistada." 

Portanto se fosse necessário subir a pirambeira de novo, eu subiria. Relaxei e curti a descida, que era deliciosa!
PC3 virtual que de BR não tinha nada

Lá embaixo logo parei em frente ao posto e tirei a foto. Por via das dúvidas peguei uma coca-cola na geladeira e paguei com cartão para ter o comprovante. Não era hora de economizar com procedimentos! Ali eu encontrei dois simpáticos casais (Leandro e Evelyn, de Sumaré; Guilherme e Letícia, de Araraquara) que estavam também no BRM 200 e logo perguntaram se eu estava perdido (já que eu vim do lado contrário do caminho). Aproveitei o momento de descanso de todos e contei a minha história. E como aquele seria o meu último ponto de parada, com 177 km previstos mas agora com 195 km acumulados, comi também um  delicioso e quentinho pão de queijo recheado com queijo minas em uma vendinha que ficava em frente ao posto ASTER, recomendação de uma das moças. Fui ao banheiro e logo estávamos todos prontos para a etapa final da prova.

Partimos os 5 juntos, eu muito mais motivado do que antes, sobretudo por ter companhia. Até então tinha ficado quase que o caminho todo sozinho e ter pessoas ao seu lado parece que faz o tempo passar mais rápido e o desconforto ser menor. No caminho continuamos a conversar, e inclusive me fizeram refletir sobre uma parte boa daquilo tudo: seria a oportunidade de ter um Recorde Pessoal de segmento no Strava! kkkkkkkkk. Na verdade, tirando a chateação inicial e o atraso da chegada, não havia mesmo motivos para reclamar. Eu estava descansado e escalando a subida de forma muito melhor do que fiz na primeira vez, além disso eu não teria conhecido meus novos 4 amigos se nada daquilo tivesse acontecido. Enfim, sou uma pessoa de fé e acredito que há um propósito maior quando acontecem coisas assim com a gente.

Portanto, o que antes estava desconfortável, para não repetir a palavra "sofrido" passou a ser divertido. Como eu estava acompanhando o grupo e seguindo num ritmo mais ameno, consegui contemplar mais a paisagem e aproveitar o finalzinho da viagem. Eu estava muito bem em relação ao tempo total da prova e pelos meus cálculos indo naquele ritmo eu ainda chegaria uma hora antes do fechamento da prova. No caminho ainda pude testemunhar a solidariedade do grupo, característica de provas do Audax. Numa das vezes a bicicleta do Guilherme furou o pneu e o Leandro parou para ajudar, enquanto isso fomos seguindo os 3 juntos à frente para ganhar tempo, tendo rapidamente sido alcançado por eles já com o pneu consertado. Depois vimos que as luzes traseiras da Evelyn estavam apagadas, mas o Guilherme logo tratou de emprestar baterias novas que ele tinha de reserva. E no final, usando o pouquinho que ainda restava das baterias do GPS, eu ajudei bastante na navegação do grupo para chegarmos ao destino final, de volta ao Hotel Buriti em Itupeva, ponto de largada e chegada da prova.

Antes disso, porém, ainda na Mal Rondon descobri um infortúnio: todas as mensagens de whatsapp que eu havia mandado para a família não tinham saído do meu celular! Minha esposa me ligou e como não consegui atender ela enviou um SMS querendo saber se eu estava vivo. Meu mundo caiu pela segunda vez! Eu me coloco muito no lugar das pessoas e logo imaginei o quanto ela e minha filha estavam preocupadas. Então enviei um SMS de volta dizendo que estava tudo em ordem e que faltavam só 10 km para eu chegar. Ela respondeu com um "ok" mas eu sabia que teria muito a explicar em casa. Enfim, o aplicativo do celular só voltou a funcionar quando eu o reinicializei mais tarde e daí ele enviou todas as mensagens atrasadas. 

Após esse último percalço e depois de tantos quilômetros, finalmente chegamos! Na recepção estavam dois atenciosos e simpáticos membros da organização que logo pegaram o meu passaporte, conferiram o tícket da passagem pelo PC3 e deram os dois carimbos que faltavam. Depois disso assinei o caderninho, recebi o certificado e a medalha. Enfim, oficialmente um randonneur!
 Passaporte carimbado com passagens pelos 4 PCs

Certificado e medalha

Na entrada do hotel também haviam outros audaciosos recém brevetados e que fizeram questão de nos cumprimentar. Seguem mais fotos:
Recebendo medalha e certificado 

Eu e os dois casais que me acompanharam na etapa final

Números:

Distância percorrida: 222,5 km
Tempo decorrido: 12:24:35
Tempo em movimento: 10:36:35
Tempo em subidas: 04:26:24 (38% do tempo)
Velocidade média em movimento: 21 km/h
Velocidade média geral: 17,93 km/h
Elevação acumulada: 2.526 m
Calorias gastas: 5.737
Pneus furados: 0 (zero)

Link do Strava com o registro da prova: https://www.strava.com/activities/976648943
Mapa do percurso. Clique para detalhes.

Alimentação:
- 3 géis de carboidrato VO2 XCaffeine (com 50 mg de cafeína e 400 mg de taurina)
- 5 géis de carboidrato Aptonia (com vitaminas C e B1)
- 3 barras de proteína Protein Crisp de 45 g (13 g de whey protein)
- 2 pães de queijo grandes
- 1 hambúrguer assado
- 5 bananas
- 2 lanches de queijo branco com lombo defumado no pão francês
- 2 latas de coca-cola
- 7 garrafas de 700 ml de água
- 5 garrafas de 700 ml de isotônico

Conclusões:

- Além do whatsapp, usar o SMS ou então ligar para me reportar à família a cada parada.
- O chamois foi aprovado.
- Preciso pensar em um upgrade na relação, seja aumentando o cassete, diminuindo a coroa ou mesmo incluindo um terceiro disco no pedivela.
- Planejar é preciso. Planejar é necessário. São duas coisas diferentes, importantes e que fazem a diferença.
- A chave para não ter cãibras e dores são duas: alimentação disciplinada durante a prova e os treinos adequados antes dela.
- O tempo das provas no estilo BRM é generoso. Tenho que usar isso a meu favor.
Tudo o que é apressado perde o sentido. Assim como a fruta forçada a amadurecer antes do tempo perde o gosto, concluir um brevet sem se divertir e sem amigos não vale a pena.
- Tenho total condições de fazer os 300 km. Rumo ao BRM 300 em Rio das Ostras!

Agradeço imensamente ao meu Deus por tudo o que passei. Sou grato pela proteção, pela experiência, pelos amigos e pela família que eu tenho, que é o meu bem mais precioso. 

Deixo abaixo o meu salmo preferido (Sl 23), que traduz o meu sentimento hoje:


"O Senhor é o meu pastor; nada me faltará. 
Deitar-me faz em pastos verdejantes; guia-me mansamente a águas tranquilas.
Refrigera a minha alma; guia-me nas veredas da justiça por amor do seu nome.
Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal algum, porque tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me consolam.
Preparas uma mesa perante mim na presença dos meus inimigos; unges com óleo a minha cabeça, o meu cálice transborda.
Certamente que a bondade e a misericórdia me seguirão todos os dias da minha vida, e habitarei na casa do Senhor por longos dias."


9 comentários:

  1. Parabéns pelo desafio e que estejas sempre disposto à superação, exemplo muito legal!!

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    1. Essa é a ideia meu amigo! Que Deus sempre me dê sabedoria e forças para isso. Grande abraço!

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  2. CARACA PARCEIRO!!!! TO COM OS OLHOS CHEIOS DE ÁGUA!!! O relato que você fez ficou fantástico, parabéns pela disciplina e planejamento!!!!
    Ademário

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    1. Que bom que gostou meu amigo. Seu comentário me serve de motivação para continuar escrevendo nas próximas aventuras. Grande abraço!

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  3. Parabéns, parceiro! Sua superação e atitudes revelam o seu bom caráter! Que Deus continue lhe abençoando e que essa medalha se complete! Forte abraço.

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    1. Que todos nós sejamos sempre abençoados! Obrigado por tudo.

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  4. Parabéns brother!!
    Deus abençoe sua conquista e traga outras!
    Breve super Randonneur.

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  5. Ola randoneiro... cheguei aqui atraves do forum pedal.com.br
    Onde esta o restante da historia? Vc tbm participou do BRM de Rio das Ostras? Tambem curtiu aquela "tempestade" de vento e chuva até a famosa Barra do Furado? Um abraço.

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